Acúmulo ou Desvio de Função.

O contrato de trabalho corresponde ao acordo de vontades, tácito ou expresso, em que uma pessoa física (empregado) coloca seus serviços à disposição de uma pessoa física, jurídica ou ente despersonalizado (empregador), sendo estes serviços pessoais, não eventuais, onerosos e subordinados.
A CLT conceitua o contrato individual do trabalhado em seu artigo 442 como sendo o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.
Nas palavras de Délio Maranhão[1]:
“Por ser um contrato, o de trabalho também é regido por um princípio do direito civil: pacta sunt servanda, ou seja, o contrato faz lei entre as partes. Daí uma consequência lógica: qualquer alteração em suas cláusulas há de resultar, também, de mútuo acordo.”
Já Amauri Mascaro Neto[2] define o contrato de trabalho como “a relação jurídica de natureza contratual tendo como sujeitos o empregado e o empregador e como objeto, o trabalho subordinado, continuado e assalariado.”
Estabelece o artigo 477 da CLT que as relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.
Nas relações empregatícias, nem sempre as cláusulas contratuais ditam as regras na relação laboral, pois a partir do Princípio da Primazia da Realidade que impera na Justiça do Trabalho, a verdade real prevalece sobre a verdade formal.
A subordinação e o poder diretivo são características fundamentais do contrato de trabalho. Por força deste, o empregado coloca sua atividade profissional à disposição do empregador. Em virtude disso, o empregador adquire o direito de dirigir a tarefa que o trabalhador desempenhará.
O poder de direção é prerrogativa do empregador, daí a importância de esclarecer o que pode configurar, dentro do contrato de trabalho, acúmulo de função, desvio de função ou apenas poder diretivo do empregador.
Inicialmente cabe esclarecer que cargo e função possuem significados distintos.
Cargo é o nome que se dá a posição que um trabalhador ocupa dentro da empresa, já Função é o conjunto de atividades e atribuições relacionadas ao cargo.
No geral, a função engloba um conjunto de tarefas e atividades, sem necessariamente comprometer a identidade própria e distintiva de cada função.
Grande parte das reclamatórias trabalhistas visam o reconhecimento do acúmulo ou desvio de função exercidos durante o período contratual, e por consequência, as diferenças salariais oriundas do reconhecimento.
Apesar de inexistir lei específica sobre Acúmulo e Desvio de Função, exceto no tocante a profissão de radialista, toma-se por base os julgados existentes em nossos tribunais, sentenciados de acordo com as circunstâncias de cada caso.
Para o Desembargador Federal do Trabalho, Dr. Marcelo José Ferlin D’Ambroso, do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, oAcúmulo de Função ocorre quando o trabalhador, além de desempenhar os misteres para os quais foi efetivamente contratado, realiza, em acréscimo, de forma não eventual e não excepcional, atribuições estranhas e de maior complexidade ao cargo que ocupa, sem o correspondente acréscimo salarial (novação objetiva do contrato de trabalho). Sustenta que o plus salarial somente se justifica quando o empregado realiza atividades estranhas e mais complexas do que àquelas para as quais foi contratado.
Acúmulo de Funções. Empacotador. Operador de Caixa
O acúmulo de funções ocorre quando o trabalhador, além de exercer as funções para as quais foi efetivamente contratado, desempenha, também, de forma não eventual e não excepcional, atribuições diversas e de maior complexidade ao cargo que ocupa, sem o correspondente acréscimo salarial (novação objetiva do contrato de trabalho). Não evidenciado o alegado acúmulo de funções, eis que não comprovado o desempenho da função de operador de caixa de forma habitual. Exercício meramente eventual de função relacionada à atividade contratada (empacotador) que não enseja o pagamento do adicional por acúmulo de função. (TRT da 4ª Região, 2ª Turma, 0020343-94.2015.5.04.0732 RO, em 23/11/2017, Marcelo Jose Ferlin D'Ambroso)
Para que seja caracterizado o acúmulo de função é preciso que haja disparidade entre a função original e a nova. Por exemplo, uma recepcionista, cujas atividades principais são recepcionar e prestar serviços de apoio a clientes. Observe que ela poderá realizar outras tarefas, como fazer e receber ligações telefônicas e manter limpa e organizada sua sala de trabalho, sem que caracterize acúmulo de função, isso porque, o desempenho destas funções estão diretamente ligadas à função contratada.
Dessa maneira, o acúmulo de função só vem a ocorrer quando o trabalhador realiza atividades que em nada se comunicam com a função contratada.
Exemplo: Um empregado contratado como operador de caixa em posto de combustível que no decorrer do contrato de trabalho passa também auxiliar os frentistas no abastecimento de veículos.
Note que neste caso, o empregador passou a exigir do empregado, em meio ao vínculo, o exercício de atribuições estranhas e mais complexas daquele a que o trabalhador foi contratado, configurando assim o acúmulo de função.
Neste sentido a jurisprudência vem admitindo o direito à diferença salarial:
Diferenças Salariais. Acúmulo de Função
São devidas diferenças salariais por acúmulo de função quando o empregado agrega atribuições e responsabilidades não compreendidas na função originalmente contratada. Hipótese em que configurado acúmulo de funções ensejador do pretendido acréscimo salarial. (TRT da 4ª Região, 8ª Turma, 0020239-17.2017.5.04.0382 RO, em 03/09/2018, Desembargador Gilberto Souza dos Santos)
Diferenças Salariais. Acúmulo de Função
São devidas diferenças salariais por acúmulo de função quando o empregado agrega atribuições e responsabilidades não compreendidas na função originalmente contratada. Hipótese em que o autor, embora contratado como "motorista", passou a desempenhar a função de "técnico de enfermagem", fazendo jus, portanto, ao pagamento de diferenças salariais por acúmulo de funções. (TRT da 4ª Região, 3ª Turma, 0000617-91.2014.5.04.0305 RO, em 06/10/2015, Desembargador Gilberto Souza dos Santos - Relator. Participaram do julgamento: Desembargador Cláudio Antônio Cassou Barbosa, Desembargadora Maria Madalena Telesca)
Sobre os critérios para fixação do “plus salarial” a título de acúmulo de função, frente a omissão normativa, o magistrado poderá por analogia, aplicar os percentuais de 10, 20 e 40% sob o salário contratual do trabalhador, conforme previsão do artigo 13 e incisos da Lei n° 6.615/1978.
Para o Desembargador (atualmente aposentado), Dr. José Felipe Ledur do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, é importante distinguir-se o acúmulo de funções do desvio de funções. O primeiro implica novação contratual objetiva quando ocorre alteração ou aumento das atividades, justificando o pagamento de acréscimo salarial. Por outro lado, o desvio de função consiste no exercício de função diversa daquela formalmente atribuída ao empregado. Na hipótese de o empregado ser desviado de função, ele terá direito aos salários da função efetivamente exercida. O desvio de função é caracterizado, sobretudo, nos casos em que o empregador adota quadro de pessoal organizado em carreira.
Diferenças Salariais. Desvio de Função
O desvio de função consiste no exercício de função diversa daquela formalmente atribuída ao empregado. Na hipótese, não há falar em acúmulo de função, já que desde o início da contratação a reclamante desempenhou as mesmas atividades, nem em desvio de função, porque a reclamada não possui quadro organizado em carreira. Recurso ordinário da reclamante não provido. (TRT da 4ª Região, 6ª Turma, 0021197-72.2014.5.04.0005 RO, em 14/03/2016, Desembargador Jose Felipe Ledur)
Neste sentido é o enunciado da Orientação Jurisprudencial da SBDI-I do TST:
Desvio de Função. Quadro de Carreira (alterado Em 13.03.2002)
O simples desvio funcional do empregado não gera direito a novo enquadramento, mas apenas às diferenças salariais respectivas, mesmo que o desvio de função haja iniciado antes da vigência da CF/1988.
Desse modo, para ocorrência do desvio funcional é inequívoca a existência de quadro de carreira, que uma vez configurado, o trabalhador passa a fazer jus as diferenças salariais decorrentes, com seus reflexos.
Para o Desembargador, Dr. Luis Carlos Pinto Gastal, do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, quando o empregador se beneficia de trabalho mais especializado por parte do trabalhador, em atividades diversas daquelas ordinariamente previstas no rol de atribuições de seu cargo, impõe o reconhecimento do desvio de função com direito às diferenças salariais, de modo a corrigir distorções evidenciadas na execução das atividades.
Diferenças Salariais. Desvio de Função.
São devidas diferenças salariais por desvio de função quando o empregado agrega atribuições e responsabilidades não compreendidas na função originalmente contratada. (TRT da 4ª Região, 7ª Turma, 0020406-88.2014.5.04.0301 RO, em 19/12/2018, Juiz Convocado Luis Carlos Pinto Gastal)
Em todos os casos, chama-se atenção para o que dispõe o parágrafo primeiro do artigo 456 da CLT, in verbis:
“Art. 456. A prova do contrato individual do trabalho será feita pelas anotações constantes da carteira profissional ou por instrumento escrito e suprida por todos os meios permitidos em direito.
Parágrafo único. A falta de prova ou inexistindo cláusula expressa e tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal.”
Nesse contexto, tem-se que, caso o contrato de trabalho seja omisso ou genérico quando da atribuição das funções a serem exercidas pelo trabalhador, o mesmo se obriga a todo e qualquer serviço compatível com sua condição pessoal.
É bem verdade que, em determinadas funções como aquelas que se apresentam como qualificadoras genéricas de cargo, como é o cargo de auxiliar de serviços gerais, raramente se identifica acúmulo de função capaz de gerar direito a diferenças salariais.
Considerando que, de forma preventiva, cabe ao empregador determinar em cada cargo as funções praticadas por seus ocupantes, tal procedimento visa coibir o ajuizamento de futuras demandas trabalhistas.
Contudo, caso o empregador não defina de forma clara as funções a serem exercidas por seus colaboradores, caberá ao judiciário analisar, individualmente, eventuais verbas decorrentes de alterações nas funções acumuladas no contrato de trabalho.
(*) Aline Luziana Ribeiro é Advogada Trabalhista no escritório Dartagnan & Stein Sociedade de Advogados S/S.
[1] Direito do Trabalho, 4. ed., Rio de Janeiro, 1976, p. 203.
[2] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho, 17ª ed., São Paulo. Saraiva, 2001, p. 352.

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