A Responsabilidade dos Administradores das Sociedades Empresariais pelo Prejuízo Operacional.

Apresentamos uma breve apreciação sobre a responsabilidade dos administradores de sociedades empresariais em decorrência dos prejuízos operacionais, frente aos empregados, credores e sócios/acionistas, pelos danos gerados à fixidade do capital social.
Considerando para tal, que a omissão de cautela caracteriza a responsabilidade, sendo que esta omissão de cautela é o nexo causal entre o dano e a gestão empresarial.
No desenvolvimento deste artigo propomos demonstrar a base legal desta responsabilidade e o dever do administrador e controladores de indenizar, salvo motivos de força maior ou de ordem fortuita.
Introdução:
Justifica-se esta abordagem pela necessidade e direito que os sócios/acionistas minoritários e credores têm da manutenção ou da fixidade do seu investimento, na hipótese de prejuízo operacional em uma sociedade empresarial gerados por omissão de cautela dos administradores e/ou dos controladores.
Desenvolvimento:
A responsabilidade da administração pela perda da fixidade do capital social tem amparo na teoria ultra vires, pois, o administrador deve ser o guardião da fixidade do capital social. Esta é a sua principal atribuição, até porque as demais decorrem desta. E toda forma de omissão de cautela do gestor implica em responsabilidade deste perante os sócios/acionistas, a sociedade e os credores.
Na perda da fixidade do capital social, aplica-se ao administrador e ao controlador a responsabilidade de indenizar, por ação ou omissão, como prevê o CC/2002, arts. 186 e 187.
Uma omissão de cautela de um administrador é uma grave falta, pois a cautela, “cuidado”, como elemento de responsabilidade, é um gênero que se divide em tipos, tais como: probidade, diligência, due diligence, lealdade, adoção de procedimentos de compliance, avaliação de resultados, e zelo para com o patrimônio da pessoa coletiva.
Toda a omissão de cautela, implica na não adoção da cautela e dos cuidados necessários para o correto exercício da função de gestão ou de controle.
O correto exercício da administração de uma célula social, implica na adoção de controles internos eficientes, de boas práticas econômicas, financeiras e comerciais. Pois, espera-se do administrador, no mínimo, cuidado na escolha dos subordinados e o acompanhamento dos trabalhos dos subordinados, dos parceiros comerciais e dos especialistas terceirizados.
Atos de probidade e diligência estão implicitamente ligados aos procedimentos e cautela que devem ser adotados na apreciação de propostas comerciais, na defesa dos interesses da sociedade, na formação do preço dos produtos e serviços comercializados, na capacidade de endividamento, na preservação do capital social, na administração do capital de giro, na adequação da produção de bens e de sua possibilidade de venda, na asseguração de dividendos mínimos, na manutenção da função social da propriedade, na distribuição de dividendos que tenham a sua realização financeira efetiva antes da sua distribuição.
Toda a falta de uma atuação firme e eficiente dos administradores, sem conflito de interesses e dentro das atribuições da função, fere a consonância com os deveres de diligência e lealdade, portanto, com a cautela.
A cautela em seu aspecto de diligência impõe o dever inalienável do administrador de avaliar e divulgar junto aos sócios/acionistas os resultados econômicos, financeiros e sociais alcançados pela sociedade que administra. Inclusive, a aprovação em assembleia de suas contas, balanço patrimonial, balanço e resultado econômico e do fluxo de caixa. Tais deveres de cautela, impõem ao gestor o dever, acima de tudo, de fazer as devidas indagações e obter todas as informações necessárias para uma tomada de decisão refletida e imparcial na elaboração do plano de negócios e do orçamento empresarial e seu controle.
A falta de cautela implica em responsabilidade, por abuso de poder, abuso de direito e/ou desvio de finalidade, que gera a necessidade de reparação dos danos e reposição de lucros cessantes, junto a sociedade, empregados, sócios e terceiros credores que foram prejudicados.
Deve o administrador provar que todas as cautelas necessárias à sua administração foram aplicadas nos termos da boa prática administrativa e propor a distribuição dos prejuízos aos sócios na hipótese de sua ocorrência, na proporção de suas quotas, observando os termos do art. 1.007 do CC/2002, caso outra regra não tenha sido pactuada no contrato social ou no estatuto. Nas lacunas da Lei 6.404/1976, em relação aos administradores[1] e aos acionistas controladores, por analogia, lógica e equidade, aplicam-se aos prejuízos operacionais das anônimas a regra do art. 1.007, por força do CC/2002, arts 1.088 e 1.089, cuja cópia segue in verbis:
Art. 1.088. Na sociedade anônima ou companhia, o capital divide-se em ações, obrigando-se cada sócio ou acionista somente pelo preço de emissão das ações que subscrever ou adquirir.
Art. 1.089. A sociedade anônima rege-se por lei especial, aplicando-se-lhe, nos casos omissos, as disposições deste Código.
Diante da constatação do prejuízo operacional está presente a enfermidade que cria a perda do capital social. O que pelo viés da teoria pura da contabilidade, isto representa uma violação do princípio da estabilidade ou da fixidade do capital social, o que é muito mais grave do que um simples pedido de falência ou inadimplemento junto aos credores, pois a literatura[2] enfatiza que:
Com este princípio essencial da regulamentação do capital social, pretende-se demonstrar a tendência do capital como cifra estável, ou fixa, que consta do pacto societário. Este princípio não implica, na invariabilidade absoluta do capital; pode este ser alterado, mas apenas através de uma deliberação dos sócios ou acionistas que modifique o contrato ou o estatuto. Este elemento fixo, garante a posição relativa de cada membro da sociedade, e a proporção dos seus direitos e obrigações que é fixo, uma vez que vertem da respectiva participação no capital social. Entendemos que a principal função do capital social inicial é a de garantia dos credores devendo ser corroborada pela criação e manutenção das reservas.
Não existindo a distribuição de prejuízo aos administradores e sócios/acionistas controladores, isto gera um desconforto econômico aos credores e demais sócios/acionistas, em decorrência da violação do princípio da estabilidade ou da fixidade do capital social. Uma vez que o capital social foi consumido, exaurido, pela geração de prejuízos operacionais. Logo, é evidente a necessidade de distribuição de prejuízos para a recomposição do equilíbrio monetário do patrimônio.
O administrador e os sócios/acionistas controladores têm o dever de probidade e de diligência, pontualmente no que diz respeito à liquidação das obrigações da sociedade, quando, durante o exercício da empresa[3], agiram ou foram omissos com o dever de conservar o capital social.
Cabe destacar que a lei brasileira, desde a época do império, teve como espírito a proteção dos credores e a função social do capital, mediante a segurança do capital social íntegro, ou seja, qualidade do capital social, o qual (princípio da fixidade) determina que não se pode deixar exaurir o capital.
Desde a época da vigência da teoria dos atos e fatos de comércios[4], a qual protegia os comerciantes, o princípio da fixidade do capital social para as sociedades empresárias, foi deveras importante, vejamos:
A extinta Lei 3.150 de 04 de novembro de 1.882, que regulava o estabelecimento de companhias e sociedades anônimas, impôs o dever da liquidação forçada quando da perda do capital social, (art. 17 (…) no caso de perda de metade do capital social, os administradores devem consultar a assembleia geral sobre a conveniência de uma liquidação antecipada. No caso, porém, de que a perda seja de três quartos do capital social, qualquer acionista pôde requerer a liquidação judicial da sociedade.)
O extinto Decreto 8.821 de 1882 que regulava a execução Lei 3.150 de 1882, onde a liquidação forçada estava prevista no art. 97, parágrafo 3º, para os casos da perda de três quartos ou mais do capital social.
E a ciência jurídica aperfeiçoou o direito, que evoluiu, da teoria dos atos e fatos de comércio, para a teoria da preservação da empresa, em função do Código Civil de 2002, onde a liquidação forçada das sociedades empresariais foi substituída, pela preservação da empresa, mantendo-se o princípio da fixidade do capital, de tal forma, que os administradores e controladores, salvo responsabilidade dos demais sócios/acionistas, são obrigados a participarem na distribuição dos prejuízos, de forma proporcional a sua participação no capital social, vide art. 1.007[5] do CC/2002, assim preservando os interesses dos credores e a atividade empresarial em decorrência de sua função social.
A hipótese da resolução da sociedade, em relação a um dos sócios, art. 1.029 do CC/2002, sem que o administrador e os controladores honrem com a sua participação nas perdas, implica em locupletação sem causa dos sócios remanescentes. Até porque, as quotas a serem liquidadas do sócio retirante são precificadas segundo a situação patrimonial da sociedade verificada em balanço especialmente levantado, nos termos do art. 1.031 do CC/2002. Igual situação se aplica aos acionistas, na hipótese do reembolso de suas ações.
A responsabilidade dos administradores e controladores, também está presente na ação de continuar o negócio, ou da omissão de interromper o negócio que sabe, ou deveria saber que é inexequível economicamente.
Conclusão:
Concluindo-se que os administradores e os controladores são responsáveis pela reparação do prejuízo ao capital social, exceto se o prejuízo e perda do capital decorrerem de fatos fortuitos ou de força maior. Os casos de força maior ou fortuitos são os fatos estranhos à boa intenção e à diligência dos administradores, como incêndios, roubos, terremotos, confisco de capital e bens, guerra, furação, depressão e recessão econômica do país, ou seja, fatos ou efeitos que não são possíveis ao administrador e sócios/acionistas controladores evitar ou impedir. A responsabilidade civil dos administradores e controladores das sociedades empresariais é inerente a qualquer labor de um gestor. Tendo em vista que as indenizações visam restaurar o equilíbrio moral e patrimonial provocado pelo autor do dano. A ação contra administradores, ou fiscais, prescreve em três anos, art. 206 do CC/2002. E em um ano para os gestores das anônimas, art. 287 da Lei 6.404/1976, sendo contado este prazo, a partir da data da publicação da ata que aprovou o balanço referente ao exercício em que a violação tenha ocorrido.
E por fim, informamos que este artigo foi parafraseado a partir do nosso livro: Prova Pericial Contábil. 16. ed., Juruá Editora, no prelo.
Por: Prof. Me. Wilson Alberto Zappa Hoog[i]
Referências
HOOG, Wilson. A. Z. Dicionário de Direito Empresarial. 7. ed. Curitiba: Juruá Editora, 2017.
______. Moderno Dicionário Contábil. 10. ed. Curitiba: Juruá, 2017
______. Prova Pericial Contábil. 16. ed. Curitiba: Juruá Editora, no prelo.
Brasil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
______. Lei 3,150 de 4 de novembro de 1882. Regula o estabelecimento de companhias e sociedades anônimas.
______. Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações.
[1] Lei 6.404/1976 – responsabilidades dos administradores. “ Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder: (…) § 1º O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedir a sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidente que faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e por escrito ao órgão da administração, no conselho fiscal, se em funcionamento, ou à assembleia-geral. § 2º Os administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em virtude do não cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles.”
[2] HOOG, Wilson A. Z. Moderno Dicionário Contábil. 10. ed. Curitiba: Juruá, 2017. p. 350.
[3] Exercício da empresa (arts. 1.142, 1.155, 1.172, 1.184) – prática da atividade, objeto social, ou seja: qualquer ação ou trabalho relacionado à empresa, ou seja: a atividade negocial. Defesos os atos contrários ao contrato social e às Leis. Portanto, o exercício da empresa é somente todo tipo de ação vinculada à função normal do objeto social da sociedade. Este exercício da empresa pelo seu administrador é delineado pelos arts. 1.015 ao 1.020; e pela função social da propriedade, art. 170, inc. III, da CF, em decorrência da supremacia do direito coletivo sobre o privado. HOOG, Wilson. A. Z. Dicionário de Direito Empresarial. 7. ed. Curitiba: Juruá Editora, 2017.
[4] A teoria dos atos de comércio teve a sua origem na França, no Código Comercial Napoleônico de 1807, com vigência a partir do ano de 1808. O Código Comercial Napoleônico tem como núcleo conceitual a pessoa natural, diferente da teoria das empresas, que tem no seu núcleo a preservação da atividade econômica, a empresa.
[5] “Art. 1.007. Salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas, mas aquele, cuja contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da média do valor das quotas.”
i Informações sobre o autor e o seu currículo podem ser obtidas no seu sítio eletrônico: ‹www.zappahoog.com.br›.

Comentários